Patrick Le Tréhondat
Há dezenas de trabalhadores dos caminhos de ferro presos na Bielorrússia. Apesar disso, os atos de sabotagem contra o transporte de material de guerra russo continuam e estão a obter vitórias.
No dia a seguir à agressão russa contra a Ucrânia, o Comité Executivo do Congresso dos Sindicatos Democráticos da Bielorrússia declarava: “asseguramo-vos, caros ucranianos, que a grande maioria dos bielorrussos, incluindo os trabalhadores, condenam as ações irrefletidas do atual regime bielorrusso que tolera a agressão russa contra a Ucrânia. Exigimos o fim imediato das hostilidades e a retirada das tropas russas da Ucrânia e da Bielorrússia”.
Nunca se deve tomar levemente uma declaração sindical. Sobretudo em tempos de guerra. A logística militar russa e a direção dos caminhos de ferro bielorrussos iriam aprender isso às suas custas. De acordo com o centro dos direitos humanos Viasna, oito ferroviários bielorrussos estão presos desde o início da guerra por sabotagem contra o transporte ferroviário militar russo.
Alguns dias mais tarde, a 2 de março, Aliaksei Shyshkavets, 43 aons, habitante de Asipovichy (importante ponto de passagem ferroviário), foi preso. Segundo o Ministério do Interior, preparava-se para executar atos de sabotagem para impedir a circulação de alguns comboios. Duas outras pessoas foram também presas em Staubtsy na noite de 1 para 2 de março. Um outro “sabotador” terá sido preso em Zhodzina no dia 2 de março.
No início de março, os ferroviários relatavam que os transportes ferroviários de material militar russo e de munições tinham parado de atravessar a Bielorrússia devido a várias sabotagens. Face à dimensão do fenómeno, a agência russa TASS anunciou que o Procurador Geral da Bielorrússia abriu um inquérito penal sobre aquilo a que chama “atos de terrorismo perpetrados por um grupo organizado contra a infraestrutura do caminho de ferro”. Reconhecia que instalações de sinalização e outros materiais de transporte tinham ficado “inutilizados”. Os ferroviários presos arriscam até 15 anos de prisão. Apesar das ameaças, as sabotagens continuam.
A 6 de março, Siarhei Kanavalau, um empregado dos caminhos de ferro bielorrussos, foi preso em Vitsebsk. Segundo o Ministério do Interior, pretendia desativar os sistemas de segurança ferroviária. Em Svetlahorsk, uma unidade de sinalização ferroviária foi incendiada. A polícia acusou três habitantes de Svetlahorsk. Desde então, houve dezenas de atos de sabotagem ferroviários. Num canal de Telegram pró-russo (TG) foram colocados vídeos que testemunham isso com 38 ferroviários a reconhecer, numa encenação digna dos processos de Moscovo, ter cometido atos de sabotagem e estarem sob influência estrangeira.
A 19 de março, o jornal Novy Chas noticiou 12 sabotagens ferroviárias que paralisaram a rede ferroviária, impedindo os vagões que transportavam material militar russo de se dirigir para a fronteira ucraniana. Na noite de 16 de março, no troço Farinovo-Zagattya, a caixa do relé de alarme foi incendiada.
A 20 de março, Oleksandr Kamyshin [que vive num estado de semi-clandestinidade porque é procurado pelo exército russo: ver o jornal Ouest France de 20 de março de 2022], presidente do conselho de administração da Ukrzaliznytsia (os caminhos de ferro ucranianos), anunciou que já não existia ligação ferroviária entre a Ucrânia e a Bielorrússia. Agradeceu aos ferroviários bielorrussos pela sua rápida resposta à guerra. “Apelei recentemente aos caminhos de ferro bielorrussos para que não executassem as ordens criminosas do seu presidente e a recusar transportar militares russos para a Ucrânia. Hoje, tenho o prazer de anunciar que já não há ligação ferroviária entre a Ucrânia e a Bielorrússia. Não entrarei em detalhes mas estou muito grato aos caminhos de ferro bielorrussos pela sua reação rápida”, acrescentou ironicamente.
A 25 de março, as ligações ferroviárias com a Bielorrússia continuavam suspensas. A informação foi dada numa mensagem de Facebook por Vitaly Koval, o governador ucraniano da região de Rivne (noroeste da Ucrânia). Numa mensagem publicada nas redes sociais, Vitaly Koval qualifica isto como uma “novidade importante” para o povo ucraniano e expressa a sua gratidão aos trabalhadores e trabalhadoras dos caminhos de ferro pelos seus esforços e conclui: “meus amigos, a ligação ferroviária com a República da Bielorrússia foi parada. Isto significa que a Rússia não estará mais em condições de fornecer material militar e provisões aos ocupantes através do caminho de ferro bielorrusso”. Desde há mais de um mês que as sabotagens se sucedem e que o transporte militar russo por via ferroviária está amplamente parado.
Face a estas “dificuldades” inesperadas, os caminhos de ferro bielorrussos poderão estar em vias de conhecer uma “purga” em grande escala, no decurso da qual “empregados pouco fiáveis” serão despedidos, explica um canal encriptado dos ferroviários bielorrussos. Foram colocadas tropas de unidades especiais ao longo das vias férreas. Algumas destas patrulhas armadas serão de civis, munidos de walkie-talkies e de localizadores GPS e teriam instalado tendas na proximidade de vias férreas.
A 30 de março, um esquadrão destes soldados abriu fogo sobre um grupo de ferroviários-resistentes em ação. Os tiros foram escutados perto da estação de Babina no distrito de Babruisk (troço Asipovichy-Zhlobin). Os resistente tinha aberto duas caixas de relé (necessárias à sinalização ferroviária). Conseguiram incendiar uma. Até ao momento em que um grupo de militares que se encontrava nas matas abriu fogo. Contudo, conseguiram escapar.
De acordo com a página bielorrussa Zerkalo (a 30 de março), pelo menos 40 trabalhadores dos caminhos de ferro estarão nas mãos da KGB bielorrussa. Para além disso, quatro outros ferroviários, entre os quais um maquinista, estão detidos em Gomel, tendo pelo menos um sido colocado no centro de detenção provisória do KGB. Todos fariam para do canal encriptado “Comunidade dos ferroviários da Bielorrússia” que é acusado de ser uma formação extremista.