Gilbert Achcar
O controlo da Ucrânia pela Rússia encorajaria os EUA a retomar o caminho da conquista do mundo pela força, exacerbando uma nova divisão colonial do mundo enquanto que um falhanço russo reforçaria aquilo a que se chama em Washington o “síndroma vietnamita”. Escreve Gilbert Achcar na sua resposta a um texto de Stathis Kouvélakis.
Face ao meu memorando de apenas 6.300 caracteres, Stathis Kouvélakis (SK) acaba de publicar uma “resposta” longa com 51.900 caracteres – é mais do que uma crítica porque o meu texto não tinha nada a ver com as suas posições que eu ignorava, a menos que ele queira colocar-se como porta-voz dos meus detratores neo-campistas.
Neste texto, SK escancara muitas portas amplamente abertas. O questionar da decisão de alargamento da Nato está hoje em todo o lado, até mesmo nos principais meios de comunicação social burgueses e imperialistas. Não valia a pena ele dedicar-lhe um discurso tão longo se se tratava de me “responder”, até porque SK sabe bem que já denunciei esta decisão e as suas consequências funestas desde há muito, em particular no meu livro A nova Guerra Fria. O mundo depois do Kosovo publicado em 2000 (preparo uma segunda edição muito aumentada) que ele próprio cita mais do que uma vez.
SK deveria ter compreendido que o meu “memorando” visava definir urgentemente uma posição concisa sobre as questões mais diretamente ligadas à invasão russa e não recapitular as posições de sempre. E se se tivesse dado ao trabalho de escutar a minha entrevista de 2 de março a Julien Salingue para o NPA, ter-se-ia dado conta de que não preciso de ser convencido da necessidade de me pronunciar a favor da dissolução da Nato.
Dito isto, examinemos ainda assim os argumentos de SK. Apenas comentarei o que me parece colocar problemas e não aquelas coisas com as quais só posso estar de acordo – a maior parte das quais já repeti muitas vezes. E peço desculpa pelo tamanho deste texto, ainda que seja inferior em metade ao de SK. Isto acontece porque tive de citar passagens inteiras da sua “resposta”, tal como do meu memorando, para restabelecer os argumentos em causa.
Comecemos pelo cenário que SK cria antes de desenvolver o seu argumentário. Ele acredita ter detetado um “corte Norte-Sul” no facto – como descreve – de que “nos países do Sul global, na América Latina, em África, no mundo árabe-muçulmano, em grande parte da Ásia, o apoio à Rússia ou, pelo menos alguma forma de benevolência para com ele, está claramente mais disseminado tanto nas opiniões públicas como em certos setores da esquerda”, uma tendência que, diz, “se reflete igualmente nas posições de um número significativo de governos, 35 dos quais se abstiveram na ONU na altura do voto de condenação da invasão russa – entre os quais a China, a Índia, o Vietname, Cuba, a Venezuela e a Bolívia”.
Comecemos por examinar os factos.
Na parte do mundo de onde sou originário, o espaço arabófono, as únicas partes da “esquerda” que apoiaram a invasão russa são as que estão ligadas ao regime sanguinário de Bashar el-Assad, sob protetorado russo. Os dois principais partidos comunistas da região, os do Iraque e do Sudão, condenaram a invasão russa sem margem para dúvidas, denunciando igualmente (como deve ser feito) a política do imperialismo norte-americano. No seu comunicado, o PC sudanês, depois de ter denunciado os conflitos entre forças imperialistas, “condena a invasão russa da Ucrânia e exige a retirada imediata das forças russas deste país, condenando também a continuação da política de atiçamento das tensões e da guerra e de ameaça para a paz e a segurança mundial da aliança imperialista dirigida pelos Estados Unidos”. Os comunistas sudaneses estão em boa posição para conhecer a verdade sobre o imperialismo russo, a única das grandes potências que apoia abertamente os golpistas do seu país.
No voto na Assembleia Geral da ONU sobre a condenação da invasão russa, 35 países abstiveram-se como diz SK. Todos situado no sul global pela boa razão de que os países do Norte votaram ou a favor (todos os países ocidentais e seus aliados) ou contra (a Rússia ela própria e a Bielorrússia). Não é assim precisa muita perspicácia para notar que, entre os 141 países que votaram a favor há bem mais do que esses 35 países. Trata-se então de um “corte Norte-Sul” como pretende SK ou de um corte entre amigos e/ou clientes do imperialismo ocidental, por um lado, e de amigos ou clientes do imperialismo russo por outro? E como a maior parte destes últimos são igualmente amigos e/ou clientes dos imperialismos ocidentais, preferiram abster-se em vez de juntar os seus votos aos dos cinco Estados que votaram contra a resolução e que são, para além dos dois já nomeados, a Coreia do Norte, a Síria e a Eritreia.
SK comenta “a forma campista” como a Rússia de Putin, uma potência imperialista secundária e regressiva, é vista na cena mundial, para explicar que “é esta perceção deformada, efeito derivado da dominação esmagadora dos EUA que, por uma espécie de ilusão de ótica, lhe atribui algumas características da URSS de outrora” e que faz com que Estados “entre os países do Sul que querem jogar a sua própria cartada (entendamo-nos: com apenas algumas exceções tratam-se igualmente de países capitalistas como a China ou a Índia), percebendo-o com (mais ou menos) benevolência, como o desmancha-prazeres face à hiperpotência norte-americana”. (Note-se, de passagem, que a Rússia possui o maior arsenal nuclear do mundo e não o segundo como afirma SK no seu texto. Possui mesmo mais ogivas nucleares do que as três potências nucleares da Nato reunidas – Estados Unidos, França e Reino Unido).
Estaríamos num mundo ainda mais terrível se “os países do sul querem jogar a sua própria cartada” fossem todos da mesma laia do que a China – ela própria objeto de debate quanto à sua natureza imperialista, o que mostra a que ponto o esquema Norte-Sul é simplista em política – ou do que a Índia do fascista Narendra Modi. Mas então porque é que a Índia de Modi quereria “jogar a sua própria cartada” e não, por exemplo, o México de AMLO, o Afeganistão dos talibãs, o Brasil de Bolsonaro (admirador de Putin), o Mianmar dos generais (apoiados por Pequim), ou as Filipinas de Duterte que votaram todos a favor da resolução da ONU? Na realidade, a apresentação tendenciosa dos factos a que se dedica SK apenas serve e revela a sua abordagem global do tema.
Chego assim à “nova guerra fria” que, segundo a minha própria análise desde há mais de vinte anos, começou com a viragem do século, tendo a guerra do Kosovo (1999) precipitado uma situação que esteve em gestação ao longo da primeira década pós-soviética. SK não leu bem o que escrevi no meu memorando:
“A invasão russa da Ucrânia é o segundo momento determinante da nova guerra fria na qual o mundo está mergulhado desde o início do século na sequência da decisão americana de alargar a Nato. Tendo o primeiro momento determinante sido a invasão do Iraque pelos Estados Unidos em 2003”.
Isto significa apenas que, nesta nova guerra fria que começou “desde o início do século” houve dois momentos determinantes até agora: a invasão do Iraque em 2003 e a da Ucrânia hoje. Não mudei de posição no seu começo como acredita SK.
O tom da sua “resposta” sobe à medida que ela se prolonga. Escrevi no meu memorando que, depois da sua dolorosa derrota no Iraque, “a propensão do imperialismo norte-americano para invadir outros países ficou consideravelmente reduzida, como o confirma a recente retirada das suas tropas do Afeganistão”. E então acrescentei:
“O destino da invasão da Ucrânia pela Rússia determinará a propensão de todos os outros países para a agressão. Se ela falhar por seu turno, o efeito sobre todas as potências mundiais e regionais será de uma forte dissuasão. Se triunfar, ou seja se a Rússia conseguir “pacificar” a Ucrânia sob as suas botas, o efeito será uma mudança importante na situação mundial em direção à lei da selva sem regresso, encorajando o próprio imperialismo dos Estados Unidos e dos seus aliados a continuar com o seu próprio comportamento agressivo”.
“Este raciocínio é duplamente insustentável”, escreve SK. “Em primeiro lugar, continua ele, o paralelo entre a invasão da Ucrânia e a do Iraque é em larga medida enganador. É certo que, nos dois casos, trata-se de atos de agressão e de violação da soberania e da integridade de um Estado. Mas a comparação acaba aqui. Porque o Iraque está a milhares de quilómetros dos Estados Unidos e não estava em causa que ele se juntasse a uma aliança militar hostil a Washington […]. A Ucrânia é atualmente apoiada militarmente, economicamente e diplomaticamente a um nível muito alto por todo o campo ocidental, os Estados Unidos à cabeça enquanto que o Iraque não era apoiado por ninguém e os talibãs apenas pelo Paquistão”.
Para além do facto de já termos sublinhado estas diferenças, e até na página de internet para a qual SK contribui, como é que a distância do Iraque e o facto de não ter sido apoiado por ninguém fariam com que o destino da invasão russa da Ucrânia não fosse determinar “a propensão de todos os outros países para a agressão”? Mistério.
SK continua:
“Se, graças ao apoio ocidental massivo, ela ganhar no plano militar, o que seria justo na medida em que defende a integridade do seu território face a uma invasão, é o bloco ocidental por inteiro que vai celebrar esta vitória como sendo sua. E, graças justamente a esta vitória, poderá apagar as imagens desastrosas de Cabul e de Bagdade – o que é sem dúvida nenhuma uma das razões essenciais da histeria belicista que irrompe atualmente nas capitais e nos meios de comunicação social ocidentais. Apagando estas imagens de derrota, encorajar-se-ão para continuar a sua marcha para o leste e para continuar a impor a sua lei ao nível mundial, ainda que sob formas menos onerosas do que as expedições do tipo das do Iraque e do Afeganistão.”
Em suma, segundo SK, uma vitória da Ucrânia seria “justa” mas desastrosa quanto às suas consequências. Pode-se perguntar se, na mesma lógica, não seria preciso sacrificar esta justiça à batalha suprema contra o “bloco ocidental” como alguns o apoiam nos meios da pseudo-esquerda neo-campista. Pela minha parte, escrevi que um sucesso russo – a hipótese que continua a ser a mais provável no imediato – “encorajaria o imperialismo dos Estados Unidos e os seus aliados a continuar o seu próprio comportamento agressivo”. SK devolve-me o mesmo termo para dizer que a derrota russa faria o mesmo. Não estou de acordo: os Estados Unidos já beneficiaram enormemente da ação de Putin. Devem estar calorosamente gratos ao autocrata russo.
Um controlo bem sucedido da Rússia na Ucrânia iria encorajar os Estados Unidos a retomar o caminho da conquista do mundo pela força num contexto de exacerbação da nova divisão colonial do mundo e de crispação dos antagonismo mundiais, enquanto que um falhanço russo – somando-se aos falhanços norte-americanos no Iraque e no Afeganistão – reforçaria aquilo a que se chama em Washington o “síndroma vietnamita”. Por outro lado, parece-me evidente que uma vitória russa reforçaria consideravelmente o belicismo e o impulso para o aumento das despesas militares nos países da Nato, enquanto que uma derrota russa daria muito melhores condições para a nossa batalha pelo desarmamento geral e a dissolução da Nato.
As ideias seguintes de SK conjugam-se mal com o preâmbulo editorial do seu artigo, que afirma que ele não irá comprometer “o quadro de respeito que é o nosso”. Cito:
“Assim sendo, […] a “posição anti-imperialista radical” que defende GA equivale a lutar não pela paz mas por uma vitória militar da Ucrânia que o apoio logístico ocidental deve possibilitar. Esta posição assume o seu belicismo, daí a sua reivindicação de “radicalidade” que enfeita com uma dimensão “anti-imperialista”, uma vez que se trata de vencer o imperialismo russo – só que, à sua conta, Joe Biden torna-se o verdadeiro campeão do anti-imperialismo.”
Isto é tão rasteiro que não merece comentário. Prossigamos a leitura:
“Escamoteando o carácter inter-imperialista do conflito atual, esta posição interpreta mal as consequências – contudo perfeitamente previsíveis – de uma vitória obtida nestas condições, a saber, uma Ucrânia vassalizada, organicamente integrada na Nato, uma Rússia cercada por todos os lados por uma aliança militar que a trata como alvo, o atlantismo triunfante sem partilha na Europa e além dela”.
Se a Ucrânia conseguir rejeitar o jugo russo ela seria vassalizada, defende SK – é mais do que provável de facto. Mas o que ele omite é que se não o conseguir será transformada num servo da Rússia. E não é preciso ser medievalista para saber que a condição de vassalo é incomparavelmente preferível à de servo! O que SK, apesar dos seus esforços, não consegue esconder que deseja, é uma espécie de jogo nulo mais do que uma derrota russa. Escreve:
“Esta eventualidade sombria não dá menos legitimidade à resistência ucraniana face à invasão russa mas convém permanecer lúcido sobre as implicações da configuração atual e não contar histórias de encantar. A dificuldade fundamental que a esquerda anti-guerra enfrenta atualmente é que, como em qualquer conflito anti-imperialista, a vitória de um campo ou do outro tem consequências devastadores, sendo a pior sem dúvida uma agitação generalizada na Europa”.
O seu problema é que é ilusório apoiar um jogo de soma nula em caso de invasão de um país pelo outro. Uma paragem dos combates com retirada incondicional do invasor para as fronteiras de antes de 24 de fevereiro seria uma vitória para a Ucrânia. Uma paragem dos combates com a ocupação de uma ampla parte do território ucraniano, senão mesmo com o servilismo de toda a Ucrânia, seria uma vitória para a Rússia. Uma resultado que se situe entre os dois constituiria um sucesso mitigado para Moscovo.
Vamos então à questão do armamento da resistência ucraniana. Escrevi:
“Somos pela entrega de armas defensivas às vítimas de uma agressão – neste caso, ao Estado ucraniano que luta contra a invasão russa do seu território. Nenhum anti-imperialista responsável pediu à URSS ou à China para entrar na guerra do Vietname contra a invasão americana mas todos os imperialistas radicais eram favoráveis ao aumento de entrega de armas por Moscovo e Pequim à resistência vietnamita. Dar àqueles que travam uma guerra justa os meios de lutar contra um agressor muito mais potente é um dever internacionalista elementar. Opor-se em bloco a tais entregas está em contradição com a solidariedade elementar devida às vítimas.”
SK comenta:
“Este paralelo com o Vietname parece, pelo menos, de mau gosto. Zelenski não é obviamente o “nazi” de que fala Putin mas também não é Ho Chi Minh… O governo ucraniano é um governo burguês, ao serviço dos interesses de uma classe de oligarcas capitalistas, comparável de todas as formas à que domina na Rússia e noutras repúblicas da ex-URSS e que procura amarrar o país ao campo ocidental sem se preocupar com as consequências previsíveis dessa opção. Apesar de ser uma vítima de uma agressão inadmissível, não representa nenhuma causa progressista mais ampla e seria completamente aberrante para as forças de esquerda dignas desse nome de advogar a causa do seu armamento”.
Assim, segundo esta lógica, só poderíamos apoiar um povo que resiste contra uma invasão imperialista melhor armada se a sua resistência fosse dirigida pelos comunistas e não por um governo burguês. É uma velha posição ultra-esquerdista sobre a questão nacional que Lenine tinha atacado na sua época. O apoio a um combate justo contra uma opressão nacional, e por motivos de força maior contra uma ocupação estrangeira, deve fazer-se independentemente da natureza da sua direção: se este combate é justo implica que a população participe ativamente e merece que a apoiemos seja qual for a natureza da sua direção.
Não são certamente os “oligarcas capitalistas” que se mobilizam em massa para as forças armadas ucranianas sob a forma de uma guarda nacional improvisada e das “petroleiras” dos novos tempos mas o povo trabalhador da Ucrânia. E no seu combate contra o imperialismo grão-russo, desencadeado por um governo autocrático e oligárquico ultra-reacionário que preside aos destinos de um dos países mais desiguais do planeta, o povo ucraniano merece o nosso apoio total que não deixa de ser crítico do seu governo.
O problema central de SK é que se engana sobre o que é uma guerra inter-imperialista. Se bastasse que fosse uma guerra em que cada parte é apoiada por um rival imperialista, então todas as guerras do nosso tempo seriam inter-imperialista dado que, regra geral, basta que um dos imperialismos rivais apoie um campo para que o outro apoie o campo oposto.
Uma guerra inter-imperialista não é isso. É uma guerra direta, e não por procuração, entre duas potências em que cada uma delas procura invadir o domínio territorial e (neo)colonial da outra como o foi claramente a I Guerra Mundial. É uma “guerra de rapina” de um lado e do outro, como lhe gostava de chamar Lenine.
Qualificar o conflito em curso na Ucrânia, no qual este último país não nenhuma ambição, e ainda menos a intenção, de se apropriar do território russo, e em que a Rússia tem a intenção declarada de subjugar a Ucrânia e de se apropriar de uma grande parte do seu território – qualificar este conflito como inter-imperialista em vez de como uma guerra de invasão imperialista é uma distorção ultrajante da realidade.
“Atualmente, acrescenta SK, tendo em conta a natureza das forças em presença, a entrega de armas à Ucrânia só pode ter um único fim, assegurar a sua vassalização futura e a sua transformação num posto avançado da Nato no flanco leste da Rússia”.
É falso. A entrega de armas à Ucrânia tem como único fim ajudar a opor-se à sua transformação num servo ainda que, por outro lado, se queira a sua vassalização acreditando ver nela a garantia única da sua liberdade. Devemos, claro, opor-nos igualmente a esta mas, agora, é preciso lidar com o mais urgente.
SK continua o seu ataque:
“Tendo em conta os riscos incalculáveis que comporta, porque razão deveríamos, como argumenta GA, opor-nos apenas a uma "intervenção militar direta" neste conflito e não a qualquer forma de intervenção militar? O risco nuclear, incontestável, será razão suficiente para limitar a contenção apenas a uma “intervenção direta”?
A resposta é: sim, claro. É certamente uma condição suficiente mas não é a única: a razão mais direta – a que, contrariamente ao nuclear, não é hipotética (assim o obriga a dissuasão mútua) mas certa – é que a entrada direta em guerra do outro campo imperialista transformaria o conflito em curso numa verdadeira guerra inter-imperialista, na aceção correta do conceito, um tipo de guerra ao qual somos categoricamente hostis.
“A fronteira entre intervenção direta e indireta é menos clara do que alguns parecem acreditar”, explica SK. Podemos devolver-lhe a observação: esta fronteira é mais clara do que ele pensa. É por isso que os membros da Nato são unânimes (e não apenas Emmanuel Macron a quem SK louva a sabedoria) em declarar que não ultrapassarão a linha vermelha que consiste em enviar tropas para combater as forças armadas russas em solo ucraniano ou abater aviões aviões russos no espaço aéreo ucraniano – e isto apesar das exortações de Volodymyr Zelensky. É porque temem corretamente uma engrenagem fatal, céticos, como se tornaram, quanto à racionalidade de Putin que não hesitou em brandir a ameaça nuclear desde o início.
Se o combate que os ucranianos travam contra a invasão russa é justo, como admite SK a contragosto, então é justo ajudá-los a defender-se contra um inimigo que é muito superior em número e em armamento. É por isso que estamos sem hesitações a favor da entrega de armas defensivas à resistência ucraniana. O que quer isto dizer? Aí, também, SK só vê o fogo.
Um exemplo: estamos certamente a favor da entrega de misseis anti-aéreos à resistência ucraniana. Opor-se-lhe equivaleria a dizer aos ucranianos que tinham de se deixar massacrar e ver as suas cidades destruídas pela aviação sem ter meios para se defender ou fugir do seu país. Ao mesmo tempo, contudo, é preciso não apenas opormo-nos à ideia irresponsável da imposição de uma zona de exclusão aérea da Ucrânia ou em parte do seu território; é preciso também opormo-nos à entrega de caças aéreos à Ucrânia como equaciona Joe Biden. Os caças não são um armamento estritamente defensivo e o seu fornecimento à Ucrânia arriscaria de facto agravar consideravelmente o bombardeamento russo.
Resumindo, somos pela entregar à Ucrânia de armas anti-aéreas e anti-tanque, tal como de todo o armamento indispensável para a defesa do seu território. Recusá-lo é simplesmente tornar-se culpado de não assistir um povo em perigo! Também pedimos a entrega do mesmo tipo de armas defensivas à oposição síria. Os Estados Unidos recusaram-nas e impediram mesmo os seus aliados locais de lhes distribuir, nomeadamente devido ao veto israelita. Sabemos quais foram as consequências.
Penúltimo ponto: as sanções. Escrevi:
“As potências ocidentais decidiram toda uma séria de novas sanções contra o Estado russo devido à sua invasão da Ucrânia. Algumas delas podem efetivamente reduzir a capacidade do regime autocrático de Putin para financiar a sua máquina de guerra, outros podem ser prejudiciais à população russa sem afetar muito o regime ou seus acólitos oligarcas. A nossa oposição à agressão russa combinada com a nossa desconfiança face aos governos imperialistas ocidentais significa que não deveríamos nem apoiar as sanções destes nem exigir o seu levantamento.”
Outra forma de dizer isto é afirmar que somos a favor das sanções que afetem a capacidade da Rússia de fazer guerra e afetem os seus oligarcas mas não das que afetem a sua população. Esta última formulação é justa em princípio mas seria preciso traduzi-la concretamente. Ora não dispomos dos meios para examinar o impacto de toda a variedade das sanções já aplicadas pelas potências ocidentais à Rússia.
Quanto a SK, ele pensa que:
“a tarefa da esquerda é denunciar a função política deste dispositivo e mostrar que ele é antes de mais um instrumento que permite asfixiar um país que perturba a ordem mundial construída pela supremacia norte-americana e ocidental, um instrumento que, no fundo, pouco difere de um ato de guerra”.
É mais uma vez uma falta de perceção dialética não ver que diferentes sanções podem ter diferentes papéis. Contrariamente às posições dogmáticas de SK, definimos as nossas posições à luz da “análise concreta da situação concreta” como bem dizia um grande crítico do dogmatismo de esquerda. Quanto à caracterização do imperialismo russo como sendo “um país que perturba a ordem mundial construída pela supremacia norte-americana e ocidental” isso revela, uma vez mais o fundo do pensamento de SK.
Por fim, SK, sublinha um terreno de acordo: “não se pode, pelo contrário, deixar de concordar com GA no que diz respeito ao último ponto que invoca: o acolhimento incondicional dos refugiados ucranianos”. Apressa-se contudo a acrescentar: “mas não o podemos fazer sem notar que o quase-consenso que o envolve é um exemplo flagrante de “dois pesos, duas medidas” do discurso cínico dominante.” No meu texto muito conciso, SK parece não se ter apercebido que eu já o faço indiretamente exigindo “a abertura de todas as fronteiras aos refugiados da Ucrânia como o deveria ser feito para todos os refugiados que fogem da guerra e das perseguições seja qual for a sua proveniência”. Isto é evidente para nós, tal como a hostilidade para com a Nato.