Palavra ao Ação Direta, o sindicato ucraniano de estudantes

O sindicato estudantil Prima Diia faz um balanço de 2023 e das lutas estudantis sob a guerra, conta-nos sobre o seu zine e apresenta o seu manifesto.

Aqui compilamos alguns textos produzidos pelo Priama Diia, Ação Direta, publicados no boletim Soutien à l'Ukraine résistante, n.º 27, de 24 de fevereiro de 2024.

2023, um ano de lutas estudantis

No ano passado, enfrentámos uma série de desafios difíceis. No meio dos horrores e da destruição da guerra, a comunidade estudantil consolidou-se fortemente em torno do desejo de ajudar as vítimas da guerra, de apoiar o exército e de se juntar às suas fileiras.

A nova geração do sindicato independente Ação Direta nasceu de uma crise social de grande dimensão. A nova Ação Direta nasceu dos protestos dos estudantes da Academia de Impressão da Ucrânia, que conseguiram cancelar a fusão da sua universidade com a Universidade Nacional de Lviv. Graças aos esforços do sindicato, a estudante Karina Chmeliuk, que é agora um membro ativo da Ação Direta, foi enviada da Crimeia ocupada para os territórios controlados pelo governo. A iniciativa “Estudantes - Académicos!” foi lançada para chamar a atenção para o problema dos estudantes financiados pelo Estado que tiram licenças académicas.

Os estudantes organizaram um evento denominado "Semana contra o fascismo", durante o qual nos recordaram que a oposição a ideologias odiosas continua a ser atual.

Juntámo-nos em limpezas para mostrar que a proteção do ambiente é uma questão que deve preocupar todos os grupos sociais, incluindo os estudantes.

Em colaboração com o conselho de estudantes do departamento de psicologia da Universidade de Karazin, preparámos uma brochura sobre o combate à violência psicológica por parte dos professores.

Lançámos uma campanha exigindo que a embaixada russa vazia fosse transformada num centro de juventude aberto ao público.

Participámos em manifestações contra a tomada do edifício KNUKiT por saqueadores, que resultaram numa vitória para os estudantes.

Contribuímos para a criação do "Comité de Estudantes do 11 de outubro" encarregue de inspecionar a "reinstalação de janelas e portas" na Universidade Nacional de Lviv, e depois inspecionámos os abrigos nas universidades no âmbito da iniciativa BUS.

Participámos em manifestações contra a chauvinista Iryna Farion, exigindo a sua demissão do seu lugar de professora no Politécnico de Lviv.

Organizámos uma manifestação em Kima contra a decisão da administração de cobrar aos estudantes pelas suas faltas.

Falámos convosco, protestámos convosco, agimos convosco, fizemos voluntariado, demos entrevistas, participámos em conferências, escutámo-vos, interessámo-nos em vocês e não tencionamos parar em 2024. Temos muito trabalho pela frente e só conseguiremos enfrentar os desafios que temos pela frente se unirmos forças.

No próximo ano, desejamos que se lembrem da importância dos vossos direitos e que se lembrem de que a forma mais eficaz de os garantir é através da ação direta.

Honra e glória para aqueles que nos defendem e nos dão a oportunidade de passar este dia em paz num círculo restrito.

Morte ao Império, Feliz Ano Novo!

31 de dezembro de 2023

Agir, o zine do sindicato de estudantes

Durante os últimos seis meses, recolhemos os vossos textos e trabalhamos para os compilar numa zine, D.Ì.J. (Agir). Agradecemos a todos os que nos enviaram o seu material, que temos o prazer de ler. Dedicámos muito esforço, trabalho e amor a cada material e a cada ilustração. Em particular, a artista e ativista Katya Gritseva, que é a dactilógrafa e editora do D.Ì.J., tratou cada centímetro quadrado das mais de 80 páginas da revista com cuidado e sensibilidade!

Esta zine é dedicada ao tema de como os estudantes vivem e encontram a força para serem ativistas em tempos de guerra. Contém uma variedade de experiências, e talvez te revejas numa delas. Não é fácil viver tudo o que está a acontecer no nosso país. Bombardeamentos, ocupações, deportações, por um lado, retirada de bolsas de estudo, expulsões de dormitórios, atitude repugnante da administração, por outro. No Priama Diia, esperamos melhorar a política educativa em benefício dos estudantes e não das carteiras gordas de 1% da população.

Podem descobrir mais sobre a nossa visão da Universidade e a importância da educação para a reconstrução do pós-guerra nos últimos textos: "Poesia estudantil"; "Memórias de um estudante que sobreviveu à deportação para a Rússia"; "A história das lutas de Priama Diia no último ano"; "O que é uma verdadeira universidade?”

Os estudantes são a força da Universidade: Manifesto do Priama Diia

Os membros da Priama Diia de toda a Ucrânia realizaram o seu congresso sindical. O congresso contou com a participação de membros de gerações anteriores e de representantes de sindicatos de estudantes europeus, e incluiu numerosos workshops e conferências.

O congresso adotou uma visão da luta estudantil e uma estratégia para a construção do sindicato até 2024, apresentada de forma condensada no manifesto "Os estudantes são a força da universidade". A preparação cuidadosa deste texto começou em outubro de 2023.

O futuro da Universidade como lugar de liberdade intelectual é desconhecido. No contexto da guerra, em que os estudantes estão envolvidos na luta contra o imperialismo, incluindo na frente de batalha, a Universidade está mais vulnerável do que nunca. Nós, Priama Diia, um sindicato estudantil independente, unimos os estudantes na luta por uma educação gratuita e de qualidade. Os estudantes são a força vital da Universidade e sentimo-nos responsáveis pelo seu futuro.

A mercantilização do saber e a comercialização da educação implicam a utilização deste como uma mercadoria, com os estudantes como consumidores e a universidade como prestadora de serviços. Num tal sistema, é impossível adquirir novos conhecimentos, ser um cientista, um investigador ou um erudito. O conhecimento é fornecido em tranches, de acordo com o serviço pago.

O regime de mercantilização do saber e a comercialização da educação são atualmente o modo padrão, mas existem outros que queremos promover.

No quadro de uma universidade de investigação, podemos ter livre acesso ao saber, ultrapassar as estruturas hierárquicas da universidade e aprender desde o início a fazer investigação e a tornarmo-nos criadores de sabers«es e não consumidores de saberes. Nesse sistema, o saber é um instrumento eficaz para a luta de libertação, a nossa resposta ao autoritarismo e ao imperialismo.

Não nos deixemos desencorajar pela ideia de que herdámos uma universidade defeituosa. Há várias maneiras de sair desta situação. Em primeiro lugar, é preciso perceber quais são os problemas.

Será possível "renovar" a Universidade? Quando avaliamos as nossas próprias capacidades, apercebemo-nos de que cada um de nós não pode resolver o problema sozinho. É por isso que estamos juntos, unindo estudantes e professores.

A reforma da universidade é uma causa comum. Em seguida, agimos.

  • Com os estudantes.
  • Com os professores: eles são o coração da Universidade que não pode bater sem os estudantes. É por isso que a sua posição é igualmente importante. Trabalham lado a lado para provocar a mudança.
  • Com o pessoal técnico: são parte integrante da Universidade e merecem condições de trabalho e de remuneração dignas
  • A administração universitária: existem claramente problemas com a administração das universidades neste momento, e é difícil encontrar uma que trabalhe no interesse da universidade e da comunidade. É por esta razão que privilegiamos as associações de estudantes e de professores em vez de confiarmos numa administração autoritária.
  • Edifícios universitários: temos de cuidar dos nossos edifícios. As nossas condições de vida influenciam a nossa forma de pensar. Salas de aula e abrigos anti-bombas renovados, uma biblioteca moderna, espaços verdes, cantinas acessíveis e de qualidade – todas as infra-estruturas sem as quais é impossível uma vida digna para estudantes e professores.

Acrescentamos a isto:

  • Educação ecológica gratuita e de qualidade, em que as condições do processo educativo são concebidas para evitar danos ao ambiente.
  • Acesso livre ao conhecimento.
  • Pedagogia libertária: métodos educativos que favorecem a igualdade dos participantes no processo educativo em oposição à coação, a liberdade intelectual, o pensamento crítico e a formação de uma personalidade autónoma e independente.
  • Solidariedade e igualdade entre alunos e professores.
  • Apoio material adequado ao ensino e à investigação.
  • Residências e quartos universitários condignos.
  • Licença académica e de maternidade, com garantia de manutenção da inscrição no local de estudo (financiadas pelo Estado).
  • Bolsas de estudo a um nível não inferior ao salário mínimo.
  • Salários dignos para professores e funcionários. Isto pode parecer muito difícil, se não impossível. Enfrentamos obstáculos sob a forma de financiamento insuficiente, de um ensino não secularizado, do endurecimento das universidades, discriminação, violência física e psicológica, de normas de ensino desadequadas, sistemas de classificação injustos, estágios não remunerados e falta de segurança social.

Ao unirmo-nos como movimento estudantil, ultrapassaremos juntos estes obstáculos e "consertaremos" a Universidade.

O que é o movimento estudantil?

Desde os anos 90, os estudantes têm lutado por um futuro melhor, um novo sistema educativo e condições de vida e de estudo decentes. Os estudantes têm sido confrontados com políticas neo liberais impiedosas, privatizações criminosas e cortes nas despesas com a educação. Todas as tentativas dos fundamentalistas do mercado para melhorar a situação da educação falharam, aprofundando a crise.

Quanto mais forte e reacionária for a ofensiva, mais forte será a resistência.

Na história da Ucrânia independente, o núcleo desta resistência tem sido sempre o corpo estudantil progressista, e os exemplos mais bem sucedidos são a campanha "Contra a Degradação da Educação" em 2011, bem como os protestos e manifestações estudantis que serviram de catalisador para os eventos Euromaidan.

No contexto de uma invasão em grande escala, os problemas existentes em matéria de educação foram agravados pela insegurança, pela necessidade de emigrar e pela destruição física das universidades. O restabelecimento do movimento estudantil de massas torna-se uma tarefa essencial. Mas o que é este movimento estudantil e como é que o vemos?

Em termos simples, o movimento estudantil é um movimento de base organizado que reúne estudantes do ensino secundário, superior e universitário, incluindo estudantes de pós-graduação. O movimento estudantil deve ser igualitário e inclusivo: deve unir os universitários, estudantes e alunos, criando laços de solidariedade inquebráveis em torno de um objetivo comum: construir uma educação de qualidade, acessível a todos e que ultrapasse as relações de mercado.

Além disso, os estudantes sempre fizeram, fazem e continuarão a fazer parte de um movimento sindical mais vasto. Não somos apenas consumidores de educação, mas também uma força criativa inscrita nos processos gerais de criação de riqueza.

O movimento estudantil pode, portanto, ser considerado com justiça como lutando não apenas por melhores condições de ensino, mas como parte de um movimento mais vasto de libertação humana.

A nossa visão do movimento estudantil baseia-se nos seguintes princípios:

Independência

Os estudantes devem agir como uma força motriz específica para a mudança, para além dos partidos, sem os políticos e as suas mentiras, contra os interesses dos grupos dominantes e dos oligarcas, para alcançar os objetivos e os sonhos de um futuro melhor.

Inclusão

No seu domínio, o movimento estudantil ultrapassa as divisões em grupos baseados no género, na cor da pele, na origem étnica, na orientação sexual, etc. Não se divide em categorias, mas inclui e une para construir uma força poderosa. A solidariedade com os oprimidos é um dos aspetos mais importantes de um movimento livre e democrático.

Voluntariado e representação

O movimento estudantil não deve basear-se na delegação de poder. Não nos consideramos representantes falando em vez de todos os estudantes, porque os seus pontos de vista e valores podem variar e evoluir ao longo do tempo. O nosso papel não é o de refletir a vontade geral dos estudantes, mas sim o de mediar o desenvolvimento de estruturas e princípios do processo educativo coerentes com as nossas convicções e objetivos igualitários.

Auto-atividade

O movimento estudantil deve ser não só um indicador de problemas, mas também um catalisador entre os estudantes da vontade de lutar pelos seus direitos. A nossa convicção é que a participação ativa dos estudantes na definição da política educativa e da vida no campus é a chave para a criação de um movimento estudantil eficaz e mutuamente benéfico. Ninguém, a não ser os próprios estudantes, pode garantir condições adequadas de aprendizagem e de vida estudantil.

Como combatemos?

Para atingir os nossos objectivos, utilizamos os seguintes métodos de luta:

Sublinhar e sensibilizar para questões socialmente importantes

Existem vários problemas no atual sistema educativo e, se quisermos resolvê-los, a primeira coisa a fazer é falar sobre eles. Uma vez que os estudantes não são apenas aprendizes, mas também produtores de saberes, queremos participar no trabalho intelectual e na transformação do sistema educativo. Estudar a situação no terreno e a nível nacional é uma condição prévia para desenvolver uma estratégia de luta.

A educação, as campanhas e os debates públicos

Tal como defendemos a liberdade intelectual na universidade e na educação em geral, esforçamo-nos por envolver os estudantes em atividades educativas e debates públicos sobre questões educativas e sociais. Acreditamos também que é importante informar os estudantes sobre as nossas atividades e atrair novos membros.

Proteção e defesa dos direitos

A sindicato de estudantes defende os interesses e os direitos dos seus membros e de outros estudantes em situação difícil. Utilizamos, nomeadamente, instrumentos de defesa jurídica quando a situação o exige.

Asseguramos que os membros do sindicato não sejam alvo de represálias devido ao seu ativismo. As petições são também uma das formas através das quais o sindicato pode influenciar as ações das administrações e dos funcionários públicos.

Organização das secções

Para trabalhar eficazmente no terreno, criámos secções nas cidades e universidades. As secções são autónomas e funcionam com base na situação específica da universidade e na vontade dos seus membros. Organizam eventos para envolver os ativistas e melhorar as suas competências em matéria de comunicação, organização, discurso público, etc.

É dada especial atenção às iniciativas ambientais, tais como campanhas para proteger o ambiente e chamar a atenção para estes problemas, bem como a adesão aos princípios da educação ecológica. Solidariedade com sindicatos independentes e apoio a iniciativas progressistas

Para abordar questões específicas, o sindicato coopera com outros movimentos que partilham valores e objetivos semelhantes: a luta contra a discriminação, contra a mercantilização da educação, etc. Porque acreditamos que o movimento estudantil faz parte do movimento sindical mais amplo, a Priama Diia presta especial atenção à cooperação com sindicatos independentes e coletivos de trabalhadores.

Manifestações, piquetes, greves, ocupação de espaços estudantis e outros métodos de luta.

Nas situações em que os métodos acima referidos não permitem atingir estes objetivos, o sindicato recorre à ação direta, mobilizando os estudantes para a defesa coletiva dos seus interesses.

Não temos medo de ficar sem elementos para a criação de uma universidade ideal. Nem tudo pode ser feito de um dia para o outro. O essencial é que dispomos de ferramentas: solidariedade e ação. Criamos estas ferramentas à medida que o processo se desenvolve. Estamos a melhorar os campus e as condições de vida nas cidades, a resolver os problemas quando um professor assedia os estudantes, a obrigar a administração a comprar novos livros para a biblioteca e a tomar medidas para que esta introduza ementas vegetarianas e refeições gratuitas nas cantinas, para que as casas de banho tenham produtos de higiene íntima, para que os estudantes em licença académica regressem aos seus postos orçamentados, para que suprimidas as disciplinas inúteis dos programas de estudo, queremos que se organize uma governança estudantil de base e estamos a tentar incitar os professores a oferecerem cursos, palestras e seminários interessantes e um sistema de avaliação transparente e compreensível. Ajudamo-nos mutuamente.

Avançamos progressivamente. Pensamos que, mais cedo ou mais tarde, faremos da universidade um lugar onde estudantes, professores, pessoal técnico e os conhecimentos serão tratados com respeito. Entretanto, não desistimos e continuamos a lutar.

LIBERDADE! IGUALDADE! SOLIDARIEDADE!

Tradução de Carlos Carujo para o Esquerda.net.