Adelino Fortunato
A grande popularidade da resistência ucraniana deve merecer da esquerda uma mensagem clara, mobilizadora, fácil de apreender pelas massas e dirigida ao combate e à solidariedade.
Há um sentimento enraizado na população ucraniana a favor da autodeterminação e da independência, construído no longo confronto com as operações de anexação colonialista do território daquele país.
Este é o dado principal que deve ajudar a esquerda a definir uma orientação face ao conflito na Ucrânia.
A palavra de ordem “Nem Putin, nem Nato” não ajuda a identificar o elemento principal desta crise e é errada. Foi Putin e não a Nato, ou o imperialismo americano, quem tomou a iniciativa de invadir a Ucrânia.
Encontrar na expansão da Nato uma atenuante para um suposto comportamento defensivo de Putin é permanecer no quadro da lógica de Guerra Fria, que legitima a busca de equilíbrios entre blocos ou zonas de influência independentemente das aspirações e da vontade dos povos. Esta não é a tradição da esquerda que sempre soube identificar e combater os principais responsáveis de cada conflito.
Foi a revolução russa de 1917 quem começou por abrir as portas ao direito à autodeterminação da Ucrânia na sequência do desmembramento do império czarista. Esse princípio acabaria por ser subvertido no decorrer da evolução do regime soviético, foi retomado em 1991 na sequência do desmoronamento da União Soviética e agora posto em causa por esta invasão.
Da mesma forma, o caráter ou a filiação política de Zelenskii, ou a própria relevância dos interesses da indústria mundial da guerra, sendo factos importantes, não são os elementos essenciais que ajudam a definir uma posição correta nesta matéria. O que está em causa, em primeiro lugar, é a natureza ilegítima e intolerável da invasão de um país soberano.
Não se pode ser a favor da autodeterminação dos povos apenas quando as opiniões dos seus representantes coincidem com os nossos pontos de vista. Isso seria uma autodeterminação condicionada. Não foi assim que fizemos quando denunciámos a invasão do Iraque, por exemplo.
A grande popularidade da resistência ucraniana deve merecer da esquerda uma mensagem clara, mobilizadora, fácil de apreender pelas massas e dirigida ao combate e à solidariedade. Um discurso que procure sobretudo a demarcação em relação a todas as partes, mesmo indireta ou remotamente envolvidas, não cumpre aquelas funções, acaba por não ter mensagem alguma e fica prisioneiro do relativismo de responsabilidades.
Por outro lado, a dimensão internacionalista deste combate não pode esquecer as contradições que o conflito gera na própria Federação Russa. Muitas cidades foram palco de manifestações de protesto contra a invasão da Ucrânia, ultrapassando em muito aquilo que aconteceu com a invasão da Hungria de 1956, da Checoslováquia de 1968 ou o recente esmagamento dos levantamentos populares na Bielorrússia, na Geórgia e no Cazaquistão.
Mais uma razão a favor de uma atitude da esquerda capaz de federar no plano nacional e internacional quem se opõe a esta guerra, impedindo que a direita faça do direito à autodeterminação uma causa exclusivamente sua. Só o socialismo poderá criar as condições para a libertação dos povos.