A revista do ano dos socialistas ucranianos

O ano da invasão russa da Ucrânia foi intenso para o grupo ucraniano Movimento Social com a ajuda humanitária, ligações internacionalistas, campanha para a anulação da dívida externa, resistência ao “neoliberalismo de guerra”, ligação ao movimento sindical, formação política e resistência ao chauvinismo e autoritarismo.

O ano de 2022 abriu uma nova página trágica na história da Ucrânia e do mundo. Foi um ano de incrível heroísmo e solidariedade face ao imperialismo russo. Ao mesmo tempo, os processos de neoliberalização da economia e ataques aos direitos laborais remanescentes intensificaram-se na Ucrânia. Tudo isto foi um verdadeiro desafio para a esquerda. Mas também abriu oportunidades de luta inimagináveis. Convidamo-vos a juntarem-se-nos numa revista aos feitos do Movimento Social em 2022 na luta por uma Ucrânia livre e justa.

Ajuda humanitária

A guerra determinou as direções centrais da atividade do Movimento Social. A primeira prioridade foi ajudar as vítimas da agressão russa, assim como quem decidiu defender o seu país. Tendo começado com um trabalho humanitário esporádico, estabelecemos depois atividades regulares e sistemáticas de apoio aos soldados ucranianos e às pessoas afetadas pela guerra, especialmente nas regiões de frente de batalha. Para além disso, o Movimento Social participou na organização de mais de dez comboios humanitários de sindicatos estrangeiros e organizações de esquerda. A ajuda recebida foi enviada para Zaporizhzhia, Kryvyi Rih, Mykolaiv e outras cidades da frente de batalha.

Para prestar uma assistência mais eficaz, o Movimento Social juntou-se a outros grupos progressistas incluindo o Workshop Feminista, os Coletivos Solidários, o Bilkis e muitos outros. Os ativistas do Movimento Social angariaram com sucesso fundos, adquiriram e entregaram equipamentos militares para soldados, geradores para trabalhadores médicos, arrecadaram fundos com sucesso para a ligação de Internet via satélite Starlink e muito mais.

As viagens às regiões com necessidade de assistência tornaram-se regulares. Em particular, o Movimento Social ajudou muitas famílias a organizar uma fonte estável de água e eletricidade em Mykolaiv. Houve ativistas do MS que aderiram às fileiras da Defesa Territorial e às Forças Armadas, onde ainda servem, que criaram sistemas inovadores de navegação para drones do exército e que providenciaram aos soldados tudo o que precisassem.

Solidariedade internacional

A guerra em larga escala pôs a Ucrânia no centro da atenção internacional. Para o Movimento Social, 2022 foi marcado pela luta contra a ideologia pseudo-pacifista, cujos proponentes se opuseram ao apoio à Ucrânia. Fizemos o melhor que podíamos para unir a esquerda e os movimentos progressistas em torno das exigências de apoio diplomático total à Ucrânia, sanções eficazes e sérias contra a Federação Russa e o fornecimento de todas as armas necessárias para a completa vitória da Ucrânia. Os ativistas do Movimento Social estabeleceram contactos com a maior parte dos partidos de esquerda e verdes de todos os continentes, prepararam mais de uma centena de textos e entrevistas para uma audiência internacional – tanto em plataformas de esquerda (JacobinThe Real News Network) quanto em meios de comunicação de massa (Guardian, BBCBusiness InsiderElleMirror Weekly entre outros). Fizemos três conferências internacionais. Os nossos ativistas viajaram para a Grã-Bretanha, Irlanda, Finlândia, Brasil, Alemanha, Polónia, Geórgia, França, Países Baixos, Suécia, Dinamarca e outros países para promover as reivindicações de solidariedade para com a Ucrânia. Foram realizadas palestras online para residentes de Hong Kong e da Coreia.

Sem nenhum exagero, o Movimento Social tornou-se a cara da esquerda ucraniana no mundo. Conseguimos organizar estudantes de todos o mundo para apoiar a Ucrânia e participámos na Rede Europeia de Solidariedade com a Ucrânia e na Rede de Solidariedade dos EUA.

Campanha para o cancelamento da dívida externa

A expressão mais proeminente da solidariedade internacional foi a campanha liderada pelo Movimento Social pelo cancelamento da dívida externa da Ucrânia. A campanha resultou na sua suspensão temporária.

Desde as primeiras semanas da guerra, o Movimento Social, junto com o partido da esquerda polaca Razem, promoveu a exigência do cancelamento da dívida externa ucraniana de forma a aumentar a capacidade de defesa do país e um futuro mais justo que não seja dominado por enormes pagamentos da dívida. Falámos nos parlamentos polaco e britânico e levantámos a questão na maior parte dos parlamentos nacionais da Europa através dos partidos de esquerda que apoiavam esta causa.

Durante esta campanha, o Movimento Social estabeleceu contactos com economistas e especialistas em finanças de instituições internacionais, organizações não governamentais e partidos de esquerda em governos como o Partido Social Democrata da Suíça ou a Aliança de Esquerda na Finlândia. O trabalho com os membros democratas do Congresso resultou numa lei que compromete os EUA a defender um congelamento da dívida externa. Graças ao Movimento Social, a dívida externa de aproximadamente 1.800 mil milhões de Hryvnias ucranianos foi congelada por dois anos. Este é um feito enorme mas a nossa campanha não vai ficar por aqui.

Resistência ao “neoliberalismo de guerra”

Apesar da guerra, as autoridades ucranianas decidiram continuar o caminho da neoliberalização da economia, que naturalmente conduz à deterioração da situação dos cidadãos comuns. O Movimento Social conduziu grandes campanhas contra a adoção de leis contra os trabalhadores e pela demissão da sua principal lobista no parlamento, a deputada Galina Tretiakova. Foi criada uma “lista negra de empresas” que identificava as empresas que abusaram da posição vulnerável dos trabalhadores por causa da guerra. Muitos materiais de análise foram publicados sobre as causas e possíveis consequências do ataque aos direitos dos trabalhadores durante a guerra.

O Movimento Social enfatizou e enfatiza que o tempo de guerra não é altura para experiências sócio-económicas prejudiciais. Cortes de impostos para a parte mais rica da população contribuíram para a instabilidade social, o desvio de responsabilidades e uma contribuição desigual de diferentes extratos sociais para a vitória. Na ausência de uma assistência social dirigida, a sociedade civil foi forçada a desempenhar o papel do Estado e a tomar conta de quase todas as funções sociais. A política do Estado na esfera sócio-económica levou ao declínio, à desigualdade social e, por vezes, minou as capacidades de defesa. O Movimento Social solidariza-se com as teses dos economistas da London School of Economics e com Adam Tooze: esta guerra não deve dar lugar a experiências ideológicas ou à promoção de políticas de desigualdade.

Assistência Legal

De forma a proteger os trabalhadores dos abusos dos empregadores, foi criado o projeto #LABOUR no quadro do qual ajuda legal gratuita foi providenciada a mais de 80 trabalhadores. O processo de pedido de ajuda foi grandemente simplificado graças ao desenvolvimento de um bot de telegram.

A atividade de direitos humanos ficou marcada, entre outras coisas, pelas vitórias em tribunal nos casos de Vyacheslav Manchuk, um trabalhador ferroviário da região de Vinnytsia (que conseguiu uma indemnização por danos morais enquanto vítima de um acidente) e Lyudmyla Puha, uma enfermeira da região de Poltava (que foi reintegrada no trabalho e os seus rendimentos durante o período de ausência forçada foram recuperados). Dezenas de outros conseguiram obter resultados em procedimentos pré-julgamento. O Movimento Social também publicou e popularizou um manual sobre proteção do direito à remuneração, com o objetivo de aumentar a literacia legal dos trabalhadores.

Os nossos ativistas também ganharam dois casos em tribunal contra a polícia ligados a uma detenção ilegal em 19 de janeiro de 2021. Apesar da guerra, o Movimento Social é uma organização que continua a envolver-se em atividades em defesa dos direitos humanos.

Fortalecer os sindicatos

Durante 2022, o Movimento Social apoiou ativamente o movimento sindical na Ucrânia: incluindo o apoio aos protestos dos médicos de ambulância em Kiev assim como o apoio aos protesto dos operadores de guindaste da região de Lviv. Para os ativistas da ONG “Seja como a Nina” foi elaborado um relatório sobre reduções de pessoal em função das mudanças na legislação de trabalho. Os ativistas do Movimento Social e os organizadores sindicais ajudaram a organizar uma reunião internacional de operadores de guindastes da Ucrânia, da Polónia e de Israel. O Movimento Social cooperou ativamente com os membros da KVPU, FPU e outros sindicatos para providenciar ajuda humanitária, legal e apoio político. De momento, estamos a ajudar a defender as reivindicações dos condutores de metro de Kiev e Kharkiv, assim como as enfermeiras do Hospital Clínico #15 no bairro Podil de Kiev.

Educação

Apesar das dificuldades técnicas, os ativistas do Movimento Social organizaram seminários online e eventos sobre a teoria e a prática da organização sindical, política energética, fundações políticas da resistência ucraniana e outros temas. A Conferência regular anual “Feuerbach 11” foi organizada com a participação de ativistas do Movimento Social e da revista “Spilne” (Commons), para discutir os desafios da reconstrução pós-guerra da Ucrânia. Numerosos materiais analíticos e de divulgação científica foram publicados sobre habitação e política económica, perspetivas para as negociações de paz, teoria marxista e socialismo, sociedade pós-capitalista, história da esquerda ucraniana e mundial e análise do imperialismo russo.

Baseado nos resultados de uma investigação sobre saúde mental durante a guerra, foi publicado um artigo com sugestões sobre como preservar a saúde mental. A guerra não impediu o evento regular educativo “Perspetivas de Esquerda” de reunir mais de 80 participantes. Nele, os ativistas do Movimento Social fizeram várias apresentações.

Trabalho nos meios de comunicação

O trabalho nos meios de comunicação da organização atingiu um novo nível. Temos estado a marcar presença ativa em novas plataformas sociais. O Movimento Social tem uma conta de Twitter, que já obteve mais de um milhar de seguidores, foram feitos vídeos para o YouTube e o TikTok.

Numerosos materiais em papel foram criados e distribuídos, incluindo brochuras, manuais, memorandos e autocolantes. Fizeram-se master classes sobre design de posters políticos e stencils. O trabalho de Katya Grytseva, que desenvolveu esforços consideráveis para formar o estilo visual da organização, recebeu um merecido reconhecimento internacional, incluindo várias exposições em França.

Ações públicas

A invasão em grande escala colocou temporariamente o ativismo de rua em espera, mas a guerra não impediu os processos democráticos. Durante o ano, várias ações bem sucedidas decorreram, incluindo contra a “otimização” destrutiva da Academia de Impressão em Lviv, uma flash mob no dia de ação para o trabalho decente e ações contra o sexismo. Junto com a organização feminista Bilkis, o Movimento Social opôs-se à campanha de desinformação e intimidação dirigida pelo deputado da direita radical Ihor Sholtis.

Desenvolvimento de secções regionais

Durante o ano, o número de membros do Movimento Social aumento significativamente. O núcleo de Lviv cresceu, os seus ativistas participaram em ações, organizaram palestras públicas sobre direitos dos trabalhadores e workshops criativos, mobilizaram estudantes progressistas, etc.

Resistência às tendências autoritárias e ao chauvinismo

A guerra aumenta o risco de crescimento de popularidade dos pontos de vista da direita e da propaganda do ódio. Já antes da guerra, o Movimento Social apoiava grupos de mulheres e LGBTQ+ e defendia a ratificação da Convenção de Istambul. Condenamos também as tendências discriminatórias da legislação ucraniana, tal como a adoção de novas leis de imigração ou as declarações chauvinistas de alguns deputados. No final de 2022, o Movimento Social apoiou a campanha contra a lei 7633 (censura de fontes científicas com base na língua) que rapidamente atraiu a atenção dos cientistas ucranianos e recebeu considerável apoio da comunidade científica por todo o mundo.

2022 foi um ano difícil para todos nós. Esperamos que 2023 seja melhor. Continuaremos a trabalhar afincadamente por uma Ucrânia independente e socialmente justa e desejamos a toda a gente segurança, vitória e progresso social no novo ano.

Artigo publicado originalmente na página do Movimento Social. Traduzido do ucraniano para inglês através do Deepl e revisto por AN para a página da Rede Europeia de Solidariedade com a Ucrânia. Traduzido desta versão por Carlos Carujo para o Esquerda.net.